terça-feira, 24 de junho de 2008

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Astrônomos datam eclipse da "Odisséia" de Homero
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RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo

Historiadores, escritores e arqueólogos debatem há muito tempo sobre até que ponto a literatura da Grécia antiga é uma fonte histórica confiável. Se os relatos sobre o que ocorria na Terra naquela época ainda deixam margem de dúvida, porém, astrônomos acabam de mostrar que o grego Homero descrevia com grande rigor cronológico o que ocorria no céu. Um massacre descrito em sua "Odisséia" provavelmente aconteceu logo após um eclipse em 16 de abril de 1178 a.C.

A data --que se refere a um evento supostamente ocorrido dez anos depois da guerra de Tróia-- surgiu dos cálculos de uma dupla de cientistas da Universidade Rockefeller, de Nova York. Constantino Baikouzis e Marcelo Magnasco vasculharam os textos de Homero atrás de uma série de referências astronômicas para tentar recompor os céus da época e resolver uma série de questões de interpretação sobre o texto.

Uma das dúvidas era se a própria menção do personagem Teoclímeno a uma "escuridão funesta" era mesmo a um eclipse. Ele faz uma espécie de presságio sobre o massacre que seria cometido pelo rei Odisseu ao voltar da guerra de Tróia. Após viagem tumultuada que durou dez anos, o monarca chegou a Ítaca para encontrar um séquito de pretendentes cobiçando sua mulher, Penélope, e decidiu matar todos.

Apesar de a linguagem metafórica da "Odisséia" deixar margem para dúvidas, a tese do eclipse é reforçada pelo fato de Homero mencionar que a noite seguinte ao massacre fora de Lua Nova, uma pré-condição necessária a um eclipse solar.

Como eclipses totais são fenômenos relativamente raros --ocorrem em média a cada 370 anos para cada ponto da Terra-- não foi difícil escolher um como candidato: o de 1178 a.C., no oeste da Grécia, o mais próximo da data estimada da guerra de Tróia. Determinar o dia, porém, foi bem complicado.

"Há incertezas envolvidas em rastrear eclipses na antigüidade porque os relatos comprovados de eclipses mais antigos são do século 8 a.C.", explicam Baikouzis e Magnasco. "A extrapolação para tempos anteriores envolve erros que aumentam exponencialmente, ao quadrado, com o tempo."

Para tentar solucionar o enigma, a dupla de astrônomos resolveu estudar, então, os ciclos com que ocorrem outros eventos celestes mencionados na "Odisséia", além do eclipse que marcou o massacre. Três deles pareciam particularmente aplicáveis à verificação.

Hermes e as estrelas

Quatro dias antes do massacre, segundo Homero, a "estrela d"alva" (Vênus) estava visível ao entardecer no alto do céu. Vinte e oito dias antes, as constelações do Boieiro e as Plêiades eram visíveis ao alvorecer. Trinta e três dias antes, Mercúrio estava se pondo no oeste.

"Naquele período, uma única data coincide com nossas referências: 16 de abril de 1178 a.C.", escreveram Baikouzis e Magnasco em seu estudo, publicado hoje na revista "PNAS" (www.pnas.org). "A probabilidade de que referências puramente ficcionais a esses fenômenos coincidam por acaso com o único eclipse daquele século são minúsculas."

Para incluir no estudo a referência a Mercúrio, porém, os astrônomos tiveram de fazer uma certa extrapolação poética. O que a "Odisséia" diz, na verdade, é que o deus Hermes (Mercúrio, na cultura romana), fez longa trajetória até o oeste para entregar uma mensagem.

"Devemos interpretar essa viagem como uma alusão ao movimento do planeta Mercúrio", afirmam os cientistas, que reconhecem o risco de atuar, até certo limite, como críticos de literatura. "Se a identificação das passagens poéticas com os fenômenos estiverem incorretas, então todos os nossos cálculos serão um non sequitur [inconsistência lógica]."

Independentemente da verdade cronológica dos fatos, porém, a reconstituição do eclipse feita pelos cientistas sugere mesmo uma paisagem um tanto quanto apocalíptica.

"O eclipse foi espetacular (...), os cinco planetas visíveis a olho nu, a Lua e a coroa do Sol podiam ser vistos simultaneamente", escrevem. Durante o evento, "a temperatura tem uma queda brusca de alguns graus, os ventos se alteram, os animais ficam inquietos e as faces humanas podem ficar com uma aparência empalidecida sob a luz azulada."

Um momento macabro como esse bem pode ter sido inspiração para um massacre --ou para um verso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Magnífico!
Tenho a certeza que quem assistiu nunca mais voltou a ser o mesmo.
Também tenho a certeza de que muitos de nós ainda ganharam, por herança, uns pózinhos desse fenómeno.(felizmente,os versos)